22/01/2012

REVOLUCIONÁRIO À MARGEM DA VIDA

Olá amigos, colegas e conhecidos da Bamuar,

Em nossa pesquisa encontramos essa crítica analítica do colunista NELSON DE SÁ da FOLHA, publicada em 24 de julho de 2005 sobre as montagens dos textos do Tennessee aqui em São Paulo. Como é sabido  À DERIVA NO SUBMUNDO, projeto de nossa autoria em andamento, é inspirado nos universos do Tennessee Williams e do Plínio Marcos e o texto À Margem da Vida é també objeto do nosso estudo..
Achamos tão contundente a entrevista, sobretudo elucidativa sobre Williams, que decidimos por postá-las na íntegra.

Esperamos que gostem. Por ora, ficamos por aqui.

Saudações Teatrais,

Cia de Teatro BAMUAR

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REVOLUCIONÁRIO À MARGEM DA VIDA
NELSON DE SÁ - COLUNISTA DA FOLHA

Na primeira e, ao que se sabe, única encenação de "O Matadouro Municipal", no ano passado em Washington, a peça abria o segundo ato de um espetáculo com outros quatro textos curtos de Tennessee Williams recém-revelados e datados dos anos 30 aos 70. Para costurar a diversidade de gêneros, temas e qualidade, breves passagens das memórias do dramaturgo, morto em 1983, aos 71 anos. No caso de "Matadouro", uma frase: "Artista é sinônimo de revolucionário".
"O Matadouro Municipal" é o que Williams produziu de mais próximo do "agitprop", do teatro de agitação e propaganda que os brasileiros conheceram, naqueles mesmos anos 60, com o Centro Popular de Cultura. A peça foi escrita entre o final da década e o início da seguinte, num momento em que o dramaturgo, sem contar mais com aprovação de público e crítica, arriscava novas formas, mais afinadas ao tempo.
Registre-se que ele chegou a seus anos derradeiros de produção, diferentemente do que fazia no auge, citando não só Anton Tchekhov mas também Bertolt Brecht entre os seus modelos -e "Mãe Coragem" entre os seus textos favoritos.
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Rapaz não entra em cena para qualquer alegoria brechtiana de justiça: está ali para um atentado
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Não que fosse novato no teatro político. "Camino Real", de 53, guarda relação próxima com "Matadouro", a começar do cenário de ditadura em algum país "latino", onde se amontoam personagens em desencanto, de Byron a Casanova -e aos quais se une Kilroy, jovem americano cheio de esperança, mas que termina como os outros.
Em "Matadouro", Kilroy começa como Rapaz, o "estudante universitário" disposto à ação, bandeira em punho e revólver no bolso, e termina como o resignado funcionário público à procura do "Matadouro" do regime.
"Five by Tenn", a encenação de Washington, ressurgiu em Nova York na virada do ano com outra peça curta no lugar de "O Matadouro Municipal". O revolucionário em Tennessee Williams, entende-se logo, é um "outcast", como sempre.
Rapaz não entra em cena para uma greve ou qualquer alegoria brechtiana de justiça social: está ali para um atentado, para matar a tiros o "ditador militar" de um país ao que parece latino-americano, como indica a rubrica. Em termos de hoje, ele é um terrorista.
Com modelos ultra-românticos como Casanova ou o poeta suicida Hart Crane, não seria de esperar outra coisa de Williams, em sua face política. Sobretudo não naquele final dos 60, início dos 70, quando o Weather Underground explodia bomba no Capitólio e Che Guevara morto era a imagem da América Latina para o mundo -e Carlos Marighela era a do Brasil.
Quando, por outro lado, após anos de depressão, ele era internado num hospital psiquiátrico por seu irmão, em 1969.
A angústia niilista daqueles tempos é distante de outra, sensual e mais individualista, de suas três obras maiores, "À Margem da Vida", "Um Bonde Chamado Desejo" e "Gata em Teto de Zinco Quente".
Autor compulsivo de dezenas de peças, com outras sendo descobertas a todo momento, Williams é lembrado -e encenado- sobretudo pelas três. Mas sua maior produção no teatro é de textos curtos, assim como é de contos, na prosa.
Seis anos atrás, São Paulo passou por uma febre rápida do dramaturgo, com Regina Braga como Amanda em "À Margem da Vida", e Vera Fischer como Maggie em "Gata em Teto de Zinco Quente". Mas foi Helena Albergaria, hoje na Cia. do Latão, que roubou a cena como Willie, protagonista adolescente da pequena e delicada "Esta Propriedade Está Condenada".
"O Matadouro Municipal", como aquela, não é obra-prima, mas é uma das pequenas jóias mal lapidadas de Tennessee Williams.

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